quarta-feira, 24 de agosto de 2011

1.2 A evolução da locução feminina no rádio carioca


“Quanto à entrada da mulher no Rádio, percebemos que elas tiveram uma participação significativa. Elas atuaram como cantoras, radioatrizes e locutoras. Comandavam programas, falavam de suas dificuldades com seriedadade. Conheciam o papel que desempenhavam na vida de suas ouvintes.
Os artistas não sofreram da parte de seus colegas do Rádio nenhum tipo de preconceito. Mas tinham consciência de que a sociedade, de forma geral, não aceitava muito bem esse escolha profissional. E uma parcela feminina fugiu dos padrões impostos pela época e enfrentou consciente todas as barreiras.
Em determinado momento, as regras de conduta foram determinantes e muitas mulheres que tiveram a coragem de atual no Rádio desistiram da carreira, quando se casavam. Na hora de optar, o lar, a família e os filhos eram mais importantes do que o brilho profissional.
Poucas mulheres que atuaram no início do Rádio conseguiram o reconhecimento da sociedade. Muitas abandonaram o microfone, morreram sozinhas sem ao menos ser lembradas. Suas vozes ficaram esquecidas num texto qualquer de uma velha revista, e se perderam da memória dos estudantes e profissionais de comunicação”. (TESSER, 1994, p. 159)

O projeto da produção de um CD para a disciplina de Projeto Experimental em Radialismo começou com o objetivo de se fazer um resgate histórico das locutoras do rádio carioca: recuperar o que estava disperso, reaver a importância desses nomes esquecidos e empoeirados pelo tempo, os quais não receberam da história o destaque merecido, rendendo a eles uma homenagem.
“Ele achava que a locução da Fluminense deveria ser feminina. Ia chamar atenção, atrair ouvintes. Claro, lógico! Eu fui mais longe. Como a rádio seria Rock, ou seja, pesada, a voz feminina iria funcionar como contrapeso, gangorra. Sair de um Black Sabbath para uma locutora lendo coisas interessantes seria demais. A direção da empresa, mantendo a promessa de carta branca, autorizou a idéia. Mas onde encontrar locutoras?
O rádio sempre foi calhorda com a mulher. Uma vez ouvi de um alto executivo uma explicação cavalar: “Mulher não pode fazer locução de rádio porque o público feminino rejeita por ciúmes. Cai audiência geral. Isso sem falarmos dos maridos que não poderão ouvir essa rádio por imposição de suas mulheres”. Pensei profundamente em Maravilha Rodrigues, a heroína que encia de calor a Rádio Jornal do Brasil. Naquela época, fora ela, mais ninguém que eu me lembre. Isso significava que eu não teria opções no mercado. O jeito foi publicar um anúncio numa edição de domingo do JB. Texto: “FM admite locutora sem experiência e com excelente pronúncia em inglês. Tratar na Rua Visconde de Itaboraí, 184”. (MELLO, 1999, p. 89)

O documentário discorreu sobre o universo feminino, seus dramas, os preconceitos sofridos pelas vozes femininas que utilizaram e utilizam os microfones, participaram e participam efetivamente da criação do sistema radiofônico ouvido na cidade do Rio de Janeiro, que foi escolhida por ser uma amostragem maravilhosa e rica do que foi proposto fazer. Sem esquecer que o Rio tem como símbolo o Cristo Redentor, que é o maior comunicador da história.

“Voz feminina com respeito
A geração pós-bossa nova, e ainda dentro dos tempos da censura, queria mostrar seu grito e quebrar preconceitos que eram, no rádio, (fruto da Nacional, é claro) verdades absolutas, como, por exemplo, que ouvinte não confiava em rádio de locução feminina.
Lembro de um almoço no João de Barro, do outro lado, com Luiz Antonio Mello e um ótima locutora da Rádio Jornal do Brasil que estava disposta a preparar a nova geração de mulheres do rádio, gente oriunda da universidade, questionadora, de voz não empostada, que falasse a linguagem dos que queriam participar de uma nova era do rádio, a era da Maldita, que estava nascendo.
Emoção? Muitas, especialmente dos encontros com os criadores. Saudades do Samuca e das primeiras meninas; da surpresa da voz daquela pequenininha que vendia “reclame”, a Monika Venerabille, e das outras que estão por aí, todas, no rádio e na televisão. E lembrança até mesmo do sonho de fazer. Também feminina, a rádio AM, o que começou a acontecer e depois acabou, tudo sob Luiz Antonio, com um programa com a cara de Niterói, da Eliane Mattos.
Foi um tempo de muita criatividade, no qual duas verdades nasceram para quem já não era menino: o rádio é tanto da mulher quanto do homem, e, quando a proposta é boa, o apoio surge de todos os cantos, dos melhores, e da melhores cabeças e emoções”.(FARIA NETO apud MELLO, 1999, p.33)

Sentia-se uma necessidade de se mostrar em sala de aula, os registros das mulheres que fizeram e fazem a história do rádio, realizando um projeto para que as próximas gerações tenham a sua disposição um modelo de como foi a participação das locutoras durante o século XX e na virada do milênio.
“Estou escrevendo um livro contando "flashes" da minha vida; preciso deixar registrado para meus filhos, para quem quiser saber, quem fui e o que fiz e amei fazer...
Vieram as lembranças da vida vivida, as esperanças sentidas na época do que o futuro poderia ser... bateu uma saudade danada, um medo grande de não conseguir realizar-me nunca, do fio da vitória ser sempre cortado na hora próxima à realização... estou chorando e sei que não tenho razão para chorar... pelo menos vivi algo, mesmo que não tenha sido tudo que almejei... tem quem nada conseguiu viver... Devia sentir-me feliz e estou infeliz... mas foi bom recordar... apesar das lágrimas... da saudade... do medo....“. (CASTRO, 2004)

            As bases para esta idéia foram os trabalhos produzidos anteriormente sobre rádio, mas sem o enfoque, especificamente, nas comunicadoras.
“Em rádio, conforme o Decreto nº 84.134, de 30 de outubro de 1979, existem seis tipos de locutores:
Anunciador – aquele que lê textos comerciais e faz chamadas de programas.
Apresentador-animador – corresponde ao que, no jargão profissional, é conhecido como comunicador, ou seja, o profissional que comanda programas, realizando entrevistas e promovendo jogos, brincadeiras e competições entre os ouvintes.
Comentarista esportivo – faz comentários a respeito de eventos esportivos.
Esportivo – conhecido também como narrador. É aquele que conta, para o ouvinte, seqüencialmente, um evento esportivo.
Noticiarista – lê textos previamente preparados pela redação.
Entrevistador – aquele que expõe e narra fatos, realizando entrevistas.
No dia-a-dia das emissoras, com exceção da cobertura esportiva, estes tipos reduzem-se às expressões locutor, englobando o noticiarista e o anunciador; e apresentador, para o condutor de programas que no rádio popular e/ou jovem adquire, por vezes, a denominação de comunicador”. (FERRARETTO, p. 311)

Sentia-se a falta de um documentário histórico sobre as locutoras do rádio carioca; era preciso ter um registro de mais uma conquista das mulheres, cujo raio de abrangência e repercussão deram conta de sua relevância social, contribuindo, da mesma forma, para a memória do rádio na área da Comunicação.
“A locução feminina tem várias funções. Para o ouvinte, oferece uma maior variedade de vozes, e evita uma saturação de vozes masculinas na programação. Para as rádios, torna-se uma ferramenta para dinamizar esteticamente a locução. Para as próprias locutoras, é um campo de trabalho que se abre, para aquelas que têm talento, profissionalismo e garra”. (DELFINO, 2004)

Espera-se uma iniciativa bem sucedida e que sirva de referência nas Universidades de Comunicação.
“Ao estudarmos a história do Rádio no Brasil, notamos que poucas vezes a mulher é citada como uma pessoa atuante e presente no início das transmissões radiofônicas. Apenas nomes tais como Carmem Miranda, Emilinha Borba, Dalva de Oliveira e Marlene são mencionados com mais destaque”. (TESSER, 1994, p. 2)

Além disso, a memória do ser humano enfraquece e se apaga com o tempo, além de se perder no espaço, se não for registrada.

“Ei, Luiz, obrigada pelo elogio! Vindo de um colega de trabalho é um bálsamo e uma honra! hehehe! Fico lisonjeada e ...corada!
Na minha opinião, o mercado de trabalho aqui no Rio ficou estranho...acontecem coisas que não entendo; do tipo dos profissionais daqui do Rio não conhecerem seus colegas do mercado regional; pedirem testes de locução para profissionais com anos de estrada (sinal de que não acompanham o que está acontecendo no dial, fora de sua freqüência ... e por aí vai.
Certa vez, fui fazer um teste na Rádio Manchete e, ao terminá-lo, o sonoplasta perguntou o meu nome para cadastrar o teste. Quando eu o disse, ele fez o seguinte comentário: "Você tem nome de locutora! Tenha fé que você vai conseguir a vaga!" E nisso, eu já tinha mais de dez anos de estrada ... e ele também!
Ao comentar o episódio com o Armando Campos (dono da Rádio Tropical FM), este me respondeu: "É um absurdo acontecer isso num mercado tão pequeno (comparado com SP) como este; total desinformação!" Eu concordo.
Outra vez, enquanto eu estava entrevistando o Renan Miranda (gerente do Sistema O Dia de Rádio - e profissional antigo) para um trecho do livro que estava escrevendo, no ano 2000, ao comentar que eu havia trabalhado com o Biase na FM 105 e com o Marco Ramalho, na Rádio Manchete, ele ficou surpreso... realmente, não me conhecia ... (sendo que na época da 105, nós tínhamos feito o maior sucesso!).
Conclusão: existem profissionais que não conhecem a mão-de-obra de seu próprio mercado de trabalho. Difícil, né? Ao contrário do Carlos Townsend - um verdadeiro ícone para muitos - que, ao me chamar para fazer uma locução, me surpreendeu, quando me disse que me conhecia, assim como o meu trabalho. É o exemplo do profissional antenado com o mercado; fica zapeando; fica ligado em tudo o que está acontecendo. E é assim que tem que ser.
Quanto à reciclagem e atualização é importante o que você disse em relação às novas tecnologias: é preciso criar um espaço para que profissionais da ativa ou não tenham acesso a elas. (SAMPAIO, 26 jul. 2004)

São mulheres que enfrentaram preconceitos e participaram, efetivamente, da emancipação feminina na sociedade.
“A Fluminense dinamitou o preconceito que reinava no rádio brasileiro, onde mulher praticamente não falava. Inteligentes e bem informadas, as locutoras da Maldita criaram um padrão sóbrio que contrastava com a programação musical maravilhosamente caótica”. (MELLO, 1999, p. 182)

O documentário demonstrou o papel preponderante que a mulher exerceu e exerce na locução do rádio carioca, sua evolução dentro deste veículo, nesta categoria, bem como a leveza e a suavidade que sua voz emprestou às ondas sonoras do rádio.

“As locutoras “mais antigas” - estou falando das que conheci no ambiente de trabalho da emissora MEC, Rio de Janeiro nos anos 70-80, eram provenientes do canto, ou “bel canto”. Cantoras líricas, com pronúncia apurada, e certa melodia no falar. Uma locutora diferente deste padrão era a Maravilha (não sei agora o sobrenome). Possuía uma voz de contralto mais seca, solene mas com certa leveza feminina decidida. Ela e Leda Coelho, com quem trabalhei muito tempo, eram excelentes profissionais. Atenciosas, zelosas de sua tarefa, verdadeiras artistas. Podiam também expandir suas falas para algo mais literário, mais narrativo, menos padrão de anunciar ou desanunciar músicas.
Acho que hoje as locutoras não são cantoras líricas ou algo assim, do ambiente musical. Esta seria uma diferença, me parece. Mas não penso nisso como algo que impeça, atualmente, as profissionais de serem tão competentes quanto as de “antigamente”.
A própria maneira de falar mudou. Diria que temos hoje, mesmo nas emissoras públicas - normalmente voltadas para a alta cultura, um padrão de exigência “culta” e daí toda uma idéia de como se deve “falar corretamente”. Isso mudou um pouco e hoje procuramos  uma locução mais coloquial, que tente se aproximar da fala cotidiana do público. Especialmente nas emissoras AM este desejo é imperioso, muitas vezes deturpando esta idéia no exagero: é quando ouvimos aquela gritaria supostamente “animada”, “prá cima”, das AM”. (ZAREMBA, 2 JUL. 2004)

O desafio maior foi o de reconstruir a memória das vozes femininas do rádio do Rio de Janeiro, a partir dos poucos registros disponíveis sobre o tema.
“ - Antes, porém, devo dizer que eu já olhava para o rádio com bastante simpatia. Namorava, mesmo, o microfone. Mas, minha família não via com bons olhos esse “namoro” ... Certo dia, o diretor da emissora de Rio Claro apareceu-me no jornal e disse: “D. Izilda, eu queria que a senhora lesse a sua crônica, diariamente, na minha estação”. Fiquei radiante e aproveitei a oportunidade pela qual tanto ansiava. Assim, ingressei no “broadcasting”, passando a atuar com o pseudônimo de Lúcia Helena, já que horrorizava à minha família ver o meu verdadeiro nome espalhado pelos receptores”. (HELENA, out. 1949, p. 19)

O material conseguido, depois de compilado, tornou-se, além de mais contemporâneo, um trabalho, o mais completo possível, dentro das possibilidades.
“Papel feminino na mídia
Na televisão, no rádio, no jornal, lá estão elas, as mulheres, que cada vez mais ocupam lugares antes dominados pelos homens.
Em algumas redações de jornalismo, por exemplo, o sexo feminino é maioria. De acordo com o Sindicato de Jornalistas do Rio de Janeiro, no estado há mais mulheres do que homens trabalhando na profissão.
“Estamos chegando e espero que avancemos mais ainda!”, comenta Marisa Tavares, jornalista”.

Os alvos principais do documentário foram as mulheres, estudantes de comunicação, servindo não só para a realização de seus sonhos de serem locutoras, ou apenas para ficar registrado, para efeito de pesquisa.
“Juntado esse fator à presença feminina, citamos Carmem Barroso, que, em seu livro Mulher, Sociedade e Estado no Brasil, mostrava a importância desse estudo aprofundado. “As mulheres não permaneceram omissas ou passivas, ao longo da história nacional. Na verdade, as pesquisas sobre a condição feminina que estão sendo realizadas demostram que se tratou menos de um silêncio por parte das mulheres, do que o silêncio imposto pela reconstrução histórica, pela ausência de documentação ou sua presença em documentos manuscritos de difícil acesso”. (TESSER, 1994, p. 3)

Este trabalho atinge, também, sem sombra de dúvida, aos homens, estudantes de Radialismo, que tenham a mesma curiosidade, incluindo as pessoas que têm paixão pelo tema, mesmo não sendo estudantes, professores ou profissionais da área.
“Eis aí, em rápidos perfis, a vida profissional de algumas mulheres que vem levando grandes machistas do jornalismo brasileiro à loucura. E elas são apenas a ponta do iceberg. Em todas as redações, em todos os estúdios do país, as moças estão mostrando as suas unhas e, com seriedade e determinação, ganhando o seu lugar ao sol.
Meticulosas, cientes da importância social de seu trabalho, as jornalistas já ocupam uma fatia considerável do mercado de trabalho. Mercado este que, para desespero de alguns - e para o deleite de muitos - está cada dia mais charmoso, mais glamouroso, mais competente. Muito competente, de fato”. (SILVA, mar. 1994, p.17)

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